O paciente Richard ‘Rick’ Slayman, de 62 anos, que vive com doença renal crônica terminal, recebeu o primeiro transplante bem-sucedido no mundo de um rim de porco para um homem vivo. O procedimento inédito foi conduzido por uma equipe de cirurgiões do Hospital Geral do Massachussetts, liderada pelo brasileiro Leonardo V. Riella, e só foi possível graças à utilização de uma técnica ganhadora do prêmio Nobel.
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O rim do porco doador foi fornecido pela eGenesis de Cambridge, Massachusetts. O animal passou por 69 edições genômicas usando a tecnologia CRISPR-Cas9 para remover genes suínos prejudiciais e adicionar certos genes humanos para melhorar sua compatibilidade com humanos. A tecnologia Crispr foi laureada com o Nobel de Química em 2020 por seu avanço na eficiência e na precisão de alterações genéticas. Na ocasião, Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna receberam o prêmio da Academia sueca. Foi primeira vez que duas mulheres receberam a láurea de Química.
A partir da tecnologia Crispr, os profissionais passaram a ter mais informações sobre o que faz uma célula ou um órgão ser atacado como corpo estranho pelo sistema imunológico e, com isso, calibrar (e levar ao limite) as edições genômicas.
Além da aplicação da tecnologia, os cientistas inativaram retrovírus endógenos suínos no doador de porcos para eliminar qualquer risco de infecção em humanos.
A cirurgia pioneira foi realizada no último sábado (16) e teve quatro horas de duração. O paciente "se recupera bem" e deve receber alta em breve, de acordo com comunicado do hospital, que é ligado à Universidade Harvard e tem uma rica história em inovação em transplante de órgãos, incluindo o primeiro transplante de órgão humano (rim) bem-sucedido do mundo.
Esse não foi o primeiro xenotransplante, nome dado ao transplante de órgãos ou tecidos de uma espécie para outra, do rim de um suíno para um humano. No entanto, as cirurgias anteriores foram feitas em pacientes com morte cerebral.
O sucesso desse procedimento é um marco histórico na busca por novas fontes de doação de órgãos, em especial de rins, que tem uma demanda crescente. O rim é o órgão mais comum necessário para transplante, e estima-se que as taxas de doença renal em estágio terminal aumentem nos próximos anos. Atualmente no Brasil, 42.430 pessoas aguardam por um transplante. Destas, 39.161 aguardam por um rim.
“O sucesso contínuo deste transplante renal inovador representa um verdadeiro marco no campo do transplante. Representa também um avanço potencial na resolução de um dos problemas mais intratáveis no nosso campo, que é o acesso desigual dos pacientes de minorias étnicas à oportunidade de transplantes renais devido à extrema escassez de órgãos de doadores e outras barreiras baseadas no sistema. Esta disparidade na saúde tem sido alvo de muitas iniciativas políticas nacionais há mais de 30 anos, com sucesso apenas limitado. Um fornecimento abundante de órgãos resultante deste avanço tecnológico pode contribuir muito para finalmente alcançar a igualdade na saúde e oferecer a melhor solução para a insuficiência renal – um rim que funcione bem – a todos os pacientes necessitados. Felicito o Sr. Slayman, que é meu paciente há muitos anos, por sua coragem em se tornar um pioneiro no campo do transplante”, disse o nefrologista Winfred Williams, em comunicado.
O procedimento foi realizado sob um único Protocolo de Acesso Expandido (EAP) da FDA – conhecido como uso compassivo – concedido a um único paciente ou grupo de pacientes com doenças ou condições graves e potencialmente fatais para obter acesso a tratamentos experimentais ou ensaios quando não houver tratamento existente.
“O verdadeiro herói hoje é o paciente, o Sr. Slayman, pois o sucesso desta cirurgia pioneira, antes considerada inimaginável, não teria sido possível sem a sua coragem e vontade de embarcar numa viagem a um território médico desconhecido. À medida que a comunidade médica global celebra esta conquista monumental, o Sr. Slayman torna-se um farol de esperança para inúmeros indivíduos que sofrem de doença renal em fase terminal e abre uma nova fronteira no transplante de órgãos”, disse o médico Joren C. Madsen, diretor do Centro de Transplantes do MGH.