“Qual a diferença entre ter uma atitude assertiva ou agressiva? Seu gênero”. É o que diz uma tirinha famosa da cartunista australiana Judy Horacek, ilustrando o tratamento diferente oferecido a homens e mulheres que se posicionam de forma mais enfática, ou como disse recentemente a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, “falam grosso”.
Ao declarar, em reação às críticas que seu desempenho à frente do ministério vem recebendo, que “não vou falar grosso. Sou mulher e uma mulher pode ser firme sem falar grosso. Quero respeito ao meu modo de ser”, a ministra, infelizmente, abraça estereótipos sociais infundados sobre a natureza feminina.
Nísia Trindade é livre para escolher o modo como expressa suas opiniões e sentimentos, e nisso deve ser respeitada. Mas trata-se de uma escolha que reflete sua personalidade, e que não deve ser debitada na identidade de gênero, sob pena de reforçar uma narrativa deletéria a respeito da feminilidade.
Em termos científicos, o clichê de que mulheres são naturalmente mais dóceis e homens, mais agressivos, não se sustenta. Em 2005, a psicóloga Janet Hyde conduziu um apanhado dos estudos sobre diferenças psicológicas e de habilidade entre homens e mulheres. Hyde conduziu análises estatísticas, e calculou um “tamanho de efeito” para quantificar cada diferença. Por exemplo, em altura, os estudos mostram um efeito de tamanho 2,0, mostrando que em média, homens são mais altos do que mulheres. Isso não quer dizer que não existam mulheres mais altas do que muitos homens, mas reflete o fato de que, na maior parte das vezes, um homem escolhido ao acaso será mais alto do que uma mulher escolhida ao acaso.
Os resultados mostram que 30% das variáveis analisadas diferem por um fator insignificante, próximo de zero (menor do que 0,11), e 48% apresentam uma divergência mínima (entre 0,11 e 0,3). Isso quer dizer que 78% das supostas diferenças psicológicas entre homens e mulheres que o senso-comum aponta, na verdade, não existem. As exceções, variáveis onde a diferença foi próxima ou maior do que 2,0, considerada significativa, apareceram em questões físicas (habilidade de arremesso em distância e velocidade) e de comportamento sexual (frequência de masturbação, atitude quanto ao sexo casual). E pode-se argumentar que sobre as questões de sexualidade pesa (assim como na disposição de “falar grosso”) um forte componente de pressão cultural.
Considerando que o estudo já tem vinte anos, talvez hoje, em sociedades onde avançou a liberdade sexual das mulheres, os resultados fossem diferentes.
O mito da mansidão feminina se perpetua na ficção. Em 2013, no premiado ensaio “We Have Always Fought” (“Sempre Fomos Guerreiras”, em tradução livre), a escritora de ficção científica Kameron Hurley critica a forma fácil (e preguiçosa) com que autores de ficção popular tendem a usar personagens femininas como vítimas indefesas.
Mas a história registra mulheres cujas vozes, “falando grosso”, ainda ecoam. Há quase 2.000 anos, no Reino Unido, a rainha Boudica liderou, ao lado das filhas, uma rebelião contra o poderoso Império Romano, devastando e saqueando cidades. Cássio Dio, historiador romano, descreve-a como “muito alta, de aparência aterrorizante, olhar feroz e voz grossa”.
O custo social de acreditar nos mitos do homem agressivo/provedor e da mulher mansa/cuidadora é enorme. Mulheres assertivas são vistas como agressivas e insensíveis. Homens cordatos ou carinhosos são vistos como fracos. Há implicações também na saúde. Homens têm maior probabilidade de sofrer com erros no diagnóstico de depressão e ansiedade, vistos como doença “de mulher”. Nísia Trindade está correta ao identificar uma camada de machismo nas críticas que sofre. Mas faria melhor se enfrentasse os estereótipos, em vez de refugiar-se neles.